um sonho de luisito
pensei muito em pinguins nessa semana. em sintonia com a minha fase ornitóloga, o new york times postou uma matéria falando sobre os milhares de cochilos que essas aves tiram durante o dia, e ao estudar esse comportamento, alguns cientistas pensaram na hipótese de que os pinguins têm uma relação com o sono completamente diferente da nossa.
é possível que estejamos enxergando o seu sono ao inverso. talvez dormir seja a configuração padrão do cérebro animal, e os cientistas deveriam focar em explicar por que os animais despertam nos momentos em que despertam. eles basicamente passam a vida dormindo e acordam quando necessário.
achei brilhante essa ideia de vladyslav vyazovskiy, fico deslumbrada ao imaginar que algumas — ou muitas — espécies podem muito bem funcionar dessa forma, até porque existem de fato diversas formas de dormir; lembro agora do descanso dos peixes, dos animais que hibernam e enfim, toda essa doideira que é o mundo animal, tão diverso e múltiplo e interessante.

se os pinguins realmente vivem mais o seu sono do que a “realidade”, que é a vida como pensamos que ela é vivida, eu não sei você, mas isso me dá um nó mental muito grande. estamos tão acostumados a valorizar o nosso tempo desperto, o “útil”, que esquecemos do quão crucial o nosso sono é na rotina também.
pessoalmente, sou fãzaça de dormir, prezo pela qualidade das minhas noites de sono e adoro acordar e lembrar de tudo que aprontei durante os meus sonhos, a parte mais legal de estar dormindo. tenho tanta facilidade em sonhar que inclusive, existem lugares que visito com frequência e que só estão na minha cabeça; eu duvido que você vai achar a minha rua favorita no google maps, no waze ou em qualquer um desses serviços de mapa.
até por isso, também já havia pensado algumas vezes nessa hipótese do sono, vai que a gente tem toda uma “vida” quando estamos dormindo mesmo? já disseram que nossos sonhos refletem os estímulos e vivências que tivemos durante o dia, mas e se forem um rolê diferente? deve ter estudo a beça sobre tudo que é tipo de hipótese, não tenho dúvidas, mas estou apenas no exercício da minha imaginação, dando voz ao meu eu interior, only dreams allowed.
e falando em sonho, gosto muito dos significados dessa palavra: pensamentos durante o sono, fantasia, desejos, ambições, doce frito, ideias, devaneios… sonhar em todas as suas facetas é algo tão importante, tão vital para nós, poderia citar bizentas frases de fernando pessoa desassossegado para embasar o quão essencial essa atividade é à experiência humana, mas também não vêm ao caso (desaprendi a escrever textos, por favor acompanhem o raciocínio)
talvez tenhamos adotado a palavra sonho como sinônimo de desejo porque é sonhando que nos permitimos apenas ser, apenas estar — mesmo os sonhadores lúcidos não têm controle sobre tudo o que vai acontecer, é um exercício de fé, a entrega ao nosso inconsciente, situações tão diferentes e inimagináveis que só acontecem na nossa cabeça.
por exemplo, dizer que tenho o sonho de ser escritora é, nesse sentido, constatar que a escrita para mim é uma ideia inalcançável, mas possível e bastante desejada. as pessoas estão constantemente realizando sonhos porque eles não são ficções, eles não são um absurdo, mas sim projeções dos nossos anseios mais íntimos, das coisas que nos sentimos inseguros ou incapazes de fazer em vida e que recorremos à mente para concretizar.
o sonho acontece na mente, e não seria a mente a vida? então seria a vida um sonho? há uma infinidade de respostas para todas essas perguntas, e não é questão de entender, mas de sentir. o que mais gostei da história toda do pinguim é a noção essencial de que o que acontece quando dormimos é tão importante quanto o que fazemos acordados, assim como as reflexões tangenciais sobre desejos.
em um ano tão especial como 2023, que agora caminha para seu ato final, fiquei muito contente por me deparar com essa matéria e constatar que eu, uma pessoa louca por dormir e sonhar, alguém que geralmente ficaria nas nuvens com essa notícia do “sono ao contrário” e suas possíveis implicações para o modo que enxergamos a vida, na verdade quis ficar acordada a maior parte do ano. posso listar tantos motivos: viagens, conquistas, experiências, amores nas mais diversas facetas — vivi coisas boas demais e realizei muitos sonhos, mas no fundo vocês sabem que esse vai ser mais um texto sobre um dos elementos mais importantes para mim [grêmio jumpscare in 3, 2, 1…]
vamos combinar: um dos grupos sociais que mais sonha/deseja é o torcedor de futebol. sonhamos com vitórias, títulos, conquistas, boas atuações e contratações de peso, estamos o tempo todo desejando o bem do nosso clube, e quantas vezes já não assistimos a jogos e eventos envolvendo o esporte enquanto dormimos? eu, pelo menos, sonho direto com partidas do grêmio e de outros times aleatórios, me divirto horrores quando percebo ao levantar.
dos meus sonhos despertos ao longo dos anos em que acompanho futebol, realizei muitos: vi meu time ganhar uma porrada de títulos, incluindo copa do brasil e libertadores, criar novos ídolos, valorizar a própria história, fazer jogos e gols maravilhosos, daqueles que a gente estufa o peito e enche a boca pra contar, e o melhor é que consegui viver boa parte desses momentos pertinho, seja no estádio, seja na tv, computador ou no rádio, quase sempre com outros gremistas, pois qualquer lugar que tenha mais de um gremista vira imediatamente um pedacinho de casa, a nossa, que já foi baixada e olímpico, teoricamente é arena agora mas no fundo é um lugar metafísico, dentro de cada um de nós.
saindo de um biênio 2021-2022 que não foi muito gentil conosco, para dizer o mínimo (rebaixamento e série b, dentre os maiores sustos que um torcedor pode levar), o clima no grêmio era de reconstrução quase que total, o clube precisaria de algo muito grandioso para se reerguer e sair da má fase com mais rapidez, poderíamos dizer que só um milagre nos ajudaria a ter um 2023 minimamente decente — e já estou arrepiada, pois os peixes se multiplicaram, as águas se tornaram vinho, e até cego pôde ver luis alberto suárez díaz no grêmio.
existem coisas na vida que não podem ser apenas coincidência. nos 5 meses que passei no uruguai em 2018, vivendo o fútbol da forma mais uruguaya que podia, evidentemente ganhei um carinho imenso por luisito suárez. lembro-me de ir na despedida da seleção no divino centenario, um amistoso entre uruguai e uzbequistão, e ficar maravilhada por poder vê-lo, ai gente, não é sempre que se vê um jogador desse calibre em campo, né? ainda mais por um time que a gente gosta, uruguay nomá! e na copa de 2018 a celeste foi bem, ele marcou alguns goles, infelizmente caímos para a frança e tudo bem, até porque o mais maneiro foi viver esse evento com os nossos vizinhos, uma das experiências futebolísticas mais especiais que tive.
desde então, já se passaram 5 temporadas, eu que não acompanho o futebol europeu me afastei um pouco de suárez mas sempre aparecia algo de qualquer forma, até porque teve copa américa e eliminatórias nesse meio tempo, eu sempre muito uruguaya, aí veio outra copa, a sua possível última, ele já no nacional, onde o acompanhei um pouquinho mais, e do nada começaram umas especulações sem pé nem cabeça de suárez no grêmio. até parece né gente. mesmo sendo a sonhadora que sou, jamais havia passado pela minha cabeça ver um dos jogadores que mais admiro jogando pelo meu time de coração. faz me rir, universo — e o universo sorriu pra mim na forma dessa contratação aqui:

não me acordem, estou vivendo um sonho que nem sabia que tinha! a ambra de dezembro de 2022 e começo de 2023 era só incredulidade, o que fazer diante de algo tão absurdo, surreal, insano assim? sabia que minha ficha ia demorar a cair, e posso dizer aqui, agora, quase um ano depois, após vê-lo fardar em 54 jogos, fazer 29 gols, dar 17 assistências, passear por grandes locais do rio grande do sul e do país, com a maior clareza que me é permitida, que talvez ela não tenha caído ainda.
eu estava fora do país na maior parte do primeiro semestre, o que não me impediu de ver todos os jogos pela tv, completamente enlouquecida pela fase boa do grêmio e do jogador uruguaio, o gauchão que ganhamos, a constância no campeonato brasileiro, o avanço na copa do brasil, e cheguei no brasil em julho sentindo que esse ano era nosso, esquece, vamos sair campeões! voltei logo antes da fatídica novela do meio do ano, o joelho bichado, o desejo de sair, a má fase do grêmio em julho causada por esses percalços todos, mas que bosta, eu não deveria ter voltado! como é ruim a vida real, tava tão bom com os pinguins, não acredito que despertei.
no fim das contas, entre trancos e barrancos, negociações nos bastidores e com o futuro incerto, ele ficou! todos pudemos respirar um pouco melhor de novo, mesmo sem saber o que viria pela frente, se isso iria afetar o desempenho dele, o clima no clube, uma bagunça daquelas. tivemos uns meses estranhos, isso é muito verdade, do meio do ano até meados de outubro o 2023 do grêmio foi esquisitíssimo, mas o que vivemos nesse final de campeonato voltou a ser material digno de sonho, a vida imitando a própria vida, já que incrivelmente nada do que luisito aprontou foi ficção.
estávamos nos acercando da “zona suárez”, termo cunhado por diego simeone para explicar o que acontece na reta final de um campeonato de pontos corridos com o jogador no clube, que passa a ser ainda mais decisivo, marcar mais gols e dar um “último gás” em busca do título. o jogo mais importante para decidir se ainda tínhamos alguma chance de título nesse cenário foi contra o botafogo, no dia 9 de novembro. após um primeiro tempo horrível, voltamos para o segundo tempo com 2–0 contra, e terminamos os 90 minutos vencendo de 4–3, sendo 3 dos 4 gols obra dele.
(caberia um texto só sobre esse jogo, um dos mais emblemáticos e marcantes de todo o brasileirão, as variáveis que nos levaram a jogar no são januário, a fase pavorosa do botafogo que perdurou até o final do campeonato, o ressurgimento do palmeiras em um jogo contra eles com o mesmo placar um par de rodadas antes, a ótima fase do grêmio, explicação de cada gol, mas deixo isso para um próximo dia, tô enrolando o suficiente já)
no seu segundo triplete do ano, o brasil inteiro à seus pés, el pistolero mostrou a que veio e lembrou a todos que o grêmio, mesmo recém saído da b, não tem a alcunha de imortal a toa [talvez tenhamos morrido de leve nos jogos seguintes, contra o corinthians e o galo, mas também não vou falar disso agora não!!!]. foi uma das noites mais mágicas que já vi de um jogador gremista, êxtase que perdura enquanto digito essas palavras, enquanto relembro momentos dessa temporada, enquanto celebro a vida de luisito e o seu feliz encontro com o tricolor gaúcho. quantos outros gremistas ouvi falando ao longo da temporada que “nem em meus maiores sonhos imaginava algo assim”, e não tem como mesmo, aqui peço desculpa aos pinguins mas ainda bem que eu estava acordada vendo luis suárez jogar!
devo lhes confessar: no domingo passado, em seu último jogo na arena do grêmio, contra o vasco, eu tinha passado o dia inteiro na praia e na piscina, um sol de uma quentura imensurável, cheguei em casa às 18h mole de sono, um cansaço existencial, e mesmo assim a primeira coisa que fiz foi ligar o tudoesporte. raras vezes deixo de assistir a jogos do grêmio, e um jogo como esse eu jamais me perdoaria. apita o juiz, primeiro tempo começa meio morno, eu meio deitada na cama da minha prima, recém saída do banho, a pele curtida do sol, vários lances interessantes mas que soninho, vejo tantas coisas acontecendo em minha cabeça, nem lembro o que sonhei, mas sei que abri os olhos, o cronômetro marcava 28 segundos do segundo tempo e a primeira imagem que vejo ao levantar do meu cochilo é a bola chegando nos pés de luisito e indo para o fundo do gol, indefensável para léo jardim, que golaço, e a narração tão emocionante, o cometa luis suárez, “obrigado, o país do futebol agradece o show”, eu de verdade nem soube como reagir, ainda maravilhada por ter despertado exatamente na hora do gol, dessa vez não é um sonho, nada disso foi, acorda e vai ver luis suárez no teu time enquanto ainda pode, isso sim é questão de urgência, essa é a configuração padrão do seu cérebro gremista até segunda ordem, esqueça o pinguim!
o melhor é que por ter planejado certinho a minha viagem ao rio de janeiro, pude estar na sua despedida oficial do futebol brasileiro no maracanã, contra o fluminense, onde ele evidentemente marcou mais dois golaços, pqp gente, eu fui eu tava, esse eu também poderia escrever muito mais sobre, até pq foi uma aventura, mas vamos nos ater aos fatos, ao maior de todos que é a honra de ter vivido esses 12 meses (praticamente) de tantas emoções, um período da minha vida futebolística que eu só consigo definir como um sonho, e dos melhores que temos, pois foi todo realidade, realização. não é sobre a importância das horas de sono ou das horas que passei acordada, e sim sobre todo esse período em que sonhei sem precisar dormir, como se 2023 fosse vivido por inteiro, todo ele vida.
como tantos torcedores, narradores e pessoas já colocaram, eu só tenho a agradecer, gracias por todo lucho, a alegria infinita de fazer parte de um mundo em que alguém assim existe, que também sente, vive e deseja as coisas e um dia passa a fazer parte da insitutição que mais amamos, tornando-a um pouco sua também, habitando os mesmos espaços que a gente, com uma rotina não tão diferente da nossa. se eu sou o grêmio, agora ele também é, e assim nós seguimos em frente.
em breve não pensarei mais tanto em suárez, esse é o tipo de coisa que inevitavelmente se dilui com o tempo, com novas contratações, novas fases e novos títulos, mas é imprescindível registrar a minha gratidão por tudo e por tanto — a cabeça tomada por lembranças do que vivemos, neste que é o primeiro domingo do ano em que ele não é mais jogador do grêmio, apesar de que o será para sempre. por ora fico aqui, de olhos bem abertos, a acordarme de um 2023 tão mágico, quase celestial, definitivamente transcendental.