tempo de baleias

sou eu que observo a natureza ou é ela que observa a mim?

Ambra
8 min readJun 27, 2023

desde abril, estou morando com minha irmã e meu cunhado em bellingham, cidade no noroeste de washington, estado no noroeste dos estados unidos. atravessei diagonalmente a américa, em outro oceano, outra estação, outras possibilidades. cheguei sem saber o que queria do meu tempo aqui, a prioridade era passar tempo com pessoas que eu amo e descansar após um turbulento 2022 e começo de 2023, so let’s figure things out as they happen, alright? right, mas a gente PRECISA ir avistar baleias, desde que vocês me falaram do passeio que fizeram no ano passado eu não tiro isso da cabeça, é um sonho que eu tenho há tantos anos, nem sei de onde vem e nós vamos com certeza, só esperar a época certa, a partir de maio.

passa o mês das flores e começa a temporada de baleias, nossa mãe veio visitar, com ela não dá pra ir, maio passa voando, junho lotado de compromissos, os finais de semana que teremos juntos vão diminuindo, a hora de ir embora se aproxima, mais três finais de semana, vamos nesse próximo? e chove o tempo inteiro, pras baleias tanto faz a chuva, é o humano que se importa demais com o clima, durante a semana seguinte o tempo limpa, os dois últimos domingos só que no próximo não vai dar, é nesse ou não é mais, então vamos nesse, e fomos! agora que estamos com o contexto em dia, permitam-me focar no relato de whalewatching, de tão encantada que estou com a experiência.

compramos um pacote com a outer island excursions, uma empresa de anacortes que tinha oferta boa no groupon, e aproveitamos o domingo ensolarado para encarar o passeio de barco no mar repleto de vento e brisa — sim, mesmo no verão faz um frio de lascar nas águas do pacífico, especialmente navegando, percebam pela roupa que estávamos usando em uma das imagens que postarei abaixo.

mapa das ilhas de san juan, localizadas na costa do pacífico, no extremo noroeste dos estados unidos continental
um mapinha da região para ilustrar por onde passamos: fomos de anacortes até ali onde o mar é mais aberto, no estreito da geórgia, e voltamos pelo mesmo caminho — fonte

chegamos às 3 da tarde, saímos do pier às 3:30 em busca de baleias. o barco era grande e tinham pelo menos outras 20 pessoas lá com a gente, mas tudo super tranquilo, e não é esse o foco, o texto não é resenha de yelp também né. longe disso, não sei por que tô demorando tanto pra chegar ao ponto, nem sei qual é o ponto então talvez por isso.

primeira foto tirada do barco; ao recebê-la, meu namorado mandou a seguinte mensagem: “susto com essa foto que já parecia baleia”. amo esse maluco. foto minha

voltando à história, já com uns 10 minutos de passeio o barco parou e quando a gente olhou ao redor vimos dezenas e dezenas de toninhas — a tradução de porpoise de acordo com o google (eu pessoalmente prefiro chamar de golfinho-roliço ou golfinho-foca, apesar de biologicamente elas serem mais próximas às baleias do que de golfinhos, mas enfim) — nadando e pulando tranquilas pela baía em que estávamos. confiem em mim quando digo que foi lindo demais, pois nem eu nem isa lembramos de fotografar o momento (só vídeo e o medium não comporta), tomadas de surpresa pela quantidade e maravilhadas.

uma toninha surfando na onda produzida por um barco, no oceano pacífico.
pense em uns 50 desses animais ao redor do barco — absurdoooo (foto: cindy elliser, pacific mammal research)

beleza, estou convencida, já valeu a pena o passeio mas vamos em frente pois ainda tem muito pra ver, o capitão do barco segue seu caminho específico e quando passamos perto daquelas boias grandes de sinalização marítima, outra surpresa: meia dúzia de leões marinhos descansando e pegando um solzinho em cima delas, afinal de contas, sunday is fun-day!

leões marinhos descansando em cima da base de uma boia de sinalização marítima, flutuando na região das ilhas de san juan, costa pacífica dos estados unidos
doguinhos do mar, de acordo com jeremy, vivendo na preguicinha de um domingo perfeito. foto minha

ok, fim do momento fofura, continuamos em direção ao estreito da geórgia e o barco parou mais uma vez, havia algo azul reluzente no meio da água, um azul quase neon de tanto que brilhava, parecia plástico, nossa que bicho é esse, parece até um balão de festa, e parecia porque era um mesmo, lixo humano que a pequena tripulação do barco fez questão de parar para recolher. esse momento foi, pra mim, o decisivo para decretar essa experiência como uma das mais bonitas que já vivi, veja bem: estávamos em um barco, no meio de um oceano transbordando de vida marinha, vítima de tanta pesca predatória e caça e a única coisa que paramos para pescar foi um balão de hélio que, ironicamente, era temático de baby shark (a quantidade de piadas que fizemos foi até indecente, juro).

um balão azul ilustrado com cinco personagens do desenho baby shark, representando uma família de tubarões no fundo do mar
não tirei foto mas era exatamente esse balão, só que murcho e desbotado pelo sol. fonte

os tubarões de verdade são raríssimos naquela região porque ela é o habitat principal de orcas (grandes predadoras suas) no pacífico noroeste, mas o impacto humano pode transformá-la em um habitat difícil até mesmo para as orcas que ali prosperam há séculos, pois como já sabemos, nossas ações inconsequentes vêm prejudicando o meio-ambiente de forma irreversível e avassaladora desde as revoluções industriais, e os oceanos estão entre os ecossistemas mais afetados. e sim, podemos pensar que era apenas um balão que foi parar no mar (se era do baby shark, é poluição? r: sim), era só tocar o passeio e deixar quieto, mas essa ação foi sem dúvida uma das partes mais bacanas do dia, além de muito genuíno e em sintonia com o maior propósito do ecoturismo náutico: a conscientização.

adiante, passamos por uma formação rochosa lotada de pássaros de várias espécies diferentes e focas, tudo muito lindo, queria ter um binóculo comigo mas para isso não me preparei o suficiente, sobrou o olho nu e o zoom da câmera do celular mesmo, mas nenhuma foto dessa parte ficou muito boa, então andemos. logo em frente tinha uma ilha com mais focas, repleta das árvores clássicas de washington, e no seu topo, se nos concentrássemos bem o bastante, era possível observar falcões e águias, aquela bem U.S.A. das ideias, com a cabecinha branca e a pose que exala freedom.

foto com lente 0.6x de uma das ilhas do arquipélago de san juan, localizado na costa noroeste dos estados unidos
duvido que dê pra ver algum pássaro ou foca, mas a foto é bonita mesmo assim, já foi ótimo relembrar. foto minha

perto das cinco da tarde, encontramos os outros barcos que estavam fazendo o passeio no mesmo horário e fomos todos juntos para onde as baleias haviam sido avistadas pelo barco que monitora a área, comunicando-se com buzinas e sinais náuticos que provavelmente nunca saberei interpretar. desligaram-se os motores, passaram-se alguns minutos e olha, ali estão elas!!! jeremy, point, look, point!!!!

imagem de uma baleia mas ela está bem distante, se vê mais o céu azul com nuvens e o oceano pacífico, a baleia acompanha o horizonte
apenas. na foto parece longe mas foi o mais perto que já estive da felicidade com a natureza que nos rodeia. foto minha

indescritível a sensação de ver uma família inteira de orcas nadando tranquilamente a poucos metros de você, a distância recomendada pra não causar estresse nos bichinhos, e a gente realmente não queria estressá-los, nada além de admiração e respeito por eles estarem vivendo a própria vida, nós curiosos para saber como eles tavam, como aquela visita que aparece e nem dá tempo de preparar um cafézinho porque é tão passageiro, mas quem sabe por isso é tão memorável.

minha irmã, uma mulher com cabelo cacheado e jaqueta azul, está apoiada no deque do barco olhando em direção ao mar, de costas para a câmera do meu celular, que fotografa ela, o mar e ao fundo, uma baleia
bel, o dedo apontado e a orca ao fundo. mal sabíamos que eram as orcas que tava apontando pra gente, talvez ainda existam humanos decentes, que bom não sermos predadores agora, nós e elas. foto minha

em quase uma hora de idas e vindas das orcas à superfície, cada emersão uma alergia, cada imersão uma surpresa, uma delas se aproximou ainda mais do barco e fez o dia de todos que estavam lá dentro observando, inclusive a gente. foi muito especial, ela passou pela proa e nadou em direção ao sol, que já estava se pondo, talvez procurando uma corrente de água morna, talvez em busca de comida — não sei dizer, mas testemunhei. achei que tivesse registro disso mas tem coisa que só a memória registra; além disso, confesso que já fui bastante preguiçosa aqui pois recorri a imagens e mais imagens, descrição não é meu forte, sejam pacientes comigo, por favor.

no caminho de volta, com o sol em descenso, a temperatura castigou um pouco, mas estávamos agasalhados e contentes demais para nos importar. a especialista em vida marinha que estava a bordo auxiliando o capitão passou por nós com um tablet informativo e falou sobre as baleias que avistamos, eu nem acreditei quando ela nos contou, mas elas eram “moradoras fixas” da região onde estávamos, são reconhecíveis pelas manchinhas ao lado de suas barbatanas (equivalentes às nossas digitais) e tinham até nome prórpio dado pelos pesquisadores! não entendi os nomes por causa do vento, ela falou bem rápido, eram bem english orca names, como podem imaginar. as que mais apareceram durante a hora que passamos lá eram uma família de quatro membros, o pai era o maiorzão e também o que chegou mais perto do barco, enquanto a mãe e as duas orquinhas ficaram mais afastadas, entre o barco e a costa.

selfie de três pessoas, duas mulheres e um homem, e o mar no fundo. muito felizes os três
VENTO VENTO BARULHO DE VENTO vamo tirar uma selfie WHOOSH VENTO MAIS VENTO and the joy of life. vejam as roupas de verão. foto nossa

biologia era minha pior matéria na escola e quanto mais eu envelheço, menos eu entendo a ambra adolescente que não ligava para compreender outras formas de vida (e já queria observar baleias, vai entender). hoje em dia um dos meus jogos favoritos é sobre montar um santuário de pássaros, amo ir em jardins botânicos ver árvores e flores, considero a rachel carson uma das minhas escritoras favoritas e venho consumindo, de forma até inconsciente, bastante material sobre a relação do ser humano com o os animais e com o meio-ambiente— alguns livros que li esse ano e gostaria de citar aqui como exemplo são “h is for hawk”, da helen macdonald; “o livro do mar”, de morten a. stroksnes; e “the genius of birds”, da jennifer ackerman, cada um com suas próprias particularidades e méritos. fico super feliz quando as áreas de conhecimento dialogam e se entrelaçam com a arte (pois esses livros são literatura pura), talvez fosse isso que eu precisava para entender que a natureza não é externa a nós mas é parte da nossa vida, é literalmente tudo vida, e todas são igualmente importantes.

o ponto desse texto, se é que tem um, é que não existe qualidade de vida sem um bom relacionamento com a natureza. pude refletir sobre tantas coisas a partir dessa vivência enriquecedora, a convergência de pequenas percepções que já vinha cultivando ao longo do ano e da minha estadia em washington, the evergreen state, e espero que esse breve relato tenha traduzido um pouco do que senti e sinto ao descobrir sobre o mundo, recuperando a mim mesma no processo. lembro-me agora do desembarque, após 3 horas e meia de passeio, quando nos despedimos da tripulação e percebi que o capitão usava um boné com uma orca bordada e a frase “having a whale of a time”. sim, não esquecer que por enquanto é tempo de baleias.

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Ambra
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