os primórdios do museu

o caminho percorrido de coleções conceituais para uma instituição pública e inclusiva

Ambra
3 min readSep 22, 2020

no curso, já lemos sobre origem do museu e sobre coleções. o texto seguinte, de Ana Cláudia Brefe, junta os dois e levanta um debate historiográfico sobre conservação de patrimônio e de memória. como na maioria dos textos baseados em historiografia, traça uma temporalidade e faz uso de referências e citações, o que não vem ao caso aqui. vou sintetizar brevemente a aula que tivemos sobre o assunto e comentar sobre a conclusão que a autora chega.

é importante entender como o significado dos objetos históricos mudou ao longo do tempo, visto que antes do surgimento dos primeiros museus “institucionais”, as coleções eram diretamente ligadas ao prestígio dos seus donos — o que explica bastante sobre a relação entre riqueza, bens materiais e poder. na Antiguidade, os objetos de coleções eram considerados troféus, atestavam que a pessoa que o detinha era superior, especialmente no Império Romano. já na Idade Média, período que teve a igreja como instituição mais poderosa, os chamados tesouros medievais eram relíquias e faziam a “ponte” entre o material e o transcendental. com o advento do Renascentismo, surgem os studiolos, locais reservados para desenvolver o lado intelectual e contemplativo dos príncipes e aristocratas, onde ficava também uma coleção pessoal de objetos seus. um pouco depois disso, com a descoberta e conquista de novos territórios, cria-se a wunderkammern, ou câmera de maravilhas, um conjunto de objetos naturais e artificiais que os príncipes coletavam nas suas viagens e serviam como uma propaganda, uma exibição das novidades e raridades que ele havia visto e dominado.

na França, um pouco antes da Revolução Francesa, as galerias e academias tornam-se parte importante da intelectualidade e dos estudos sobre as belas artes e a sociedade, ainda com uma mentalidade coletiva privada e privilegiada. esses espaços mudam rapidamente para se conformar às demandas sociais e nacionais, tornando-se públicos. todavia, apesar de aberto ao público em geral, o museu seguiu com um padrão elitista entre os séculos XVIII e XX, expondo objetos que marcavam as glórias da nação e dos “grandes homens” que participaram na construção da sua história — sendo que muitos deles, como sabemos, contribuíram para a desigualdade social e situações desumanas que marcaram e deixam sequelas até hoje. assim, o museu era tido como um espaço independente, que estava ali para a sociedade: a pessoa ia, via, admirava e saía.

a verdadeira mudança que vai alterar a noção de museu enquanto instituição pública vem no final do século XX, como vimos também no texto da Julião, com a democratização da sociedade e o reconhecimento da cultura dos mais diversos grupos sociais na constituição de uma história nacional coletiva. dessa forma, começam a surgir reivindicações pelo mundo inteiro, tanto dos países anteriormente colonizados, que pedem pelas obras que lhes foram roubadas ou tiradas, quanto dos grupos dentro de um país que não têm seu passado respeitado e não se sentem representados na história. é um momento em que o museu se reformula para não estar apenas presente para a sociedade, mas com a sociedade, como bem coloca Dominique Poulot. isso acarreta uma transformação que não vem a curto prazo, mas que podemos enxergar ao longo dos anos: a criação de cursos de museologia pelo Brasil e mundo, o conceito de ecomuseus e a criação de museus temáticos, a devolução de alguns objetos pros seus países de origem e a relação que se constrói entre visitante e exposição, entre o museólogo e o espaço em que ele vai cuidadosamente contar uma história, entre museu e nós.

eu inclusive adorei descobrir que existe um museu dentro do Castelo de Ambras, localizado na Áustria, que parece ser um lugar bem lindo. Foto: © Austrian National Tourist Office - Trumler

na conclusão do texto a autora reconhece que a memória está sempre no centro do debate quando falamos de museus, e que o problema dessa instituição está justamente em lidar com a transformação e a pluralidade de pensamentos da sociedade. para Brefe, portanto, o desafio dos museólogos atualmente é o de explorar a relevância cultural que a instituição tem e pensar em como inseri-la devidamente no contexto social e político. mesmo que por vezes seja difícil observar a “reconstrução” dos museus acontecendo de forma inclusiva, penso que é bonito reconhecer e honrar o poder que existe para além dos objetos que estão nele, que é o poder de dar voz a tantas histórias e pessoas que se tornam visíveis através destes.

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